Em 1977, a galáxia se tornou
menor. A saga Guerra nas Estrelas, de George Lucas, trouxe
o universo dos alienígenas e dos planetas distantes para
perto da imaginação popular. Resultado: 25 anos
depois do seu início, ou fim, se levarmos em conta a cronologia
da história, os filmes ainda levam multidões aos
cinemas e enchem os cofres do Lucas Group, o conglomerado de empresas
do cineasta. Fãs da franquia já acampavam na porta
do complexo de cinemas Chinese Theater, em Hollywood, 40 dias
antes da estréia do Episódio II, O Ataque dos
Clones. O motivo? Freud explica.
Por
Diogo Dreyer
Cartaz de divulgação
de O Retorno de Jedi, de 1983. |
Além da revolução
visual e técnica, a série Guerra nas Estrelas,
de George Lucas, inspirou gerações mundo afora.
Numa época em que os efeitos visuais eram literalmente
manuais, esse cineasta revolucionou a sétima arte com suas
explosões e naves gigantescas através dos efeitos
digitais. Lucas juntou à sua evolução técnica
um novo tipo de história, que misturava contos de fadas,
histórias medievais, passagens bíblicas e até
faroeste ao mundo da ficção científica.
Sua trilogia também
iniciou a era das franquias no cinema, em que alguns produtores
têm nas mãos muito mais do que histórias.
Seus filmes se transformam em verdadeiras instituições,
em que a meta é fazer com que todos assistam ao filme na
primeira semana para poder vender seqüências, camisetas,
atrações em parques temáticos, brinquedos
e DVDs cheios de bônus como recordação. Isso
rendeu a Lucas dinheiro suficiente para todos os seus futuros
projetos.
Todos os quatro filmes da
saga lançados até agora aparecem em qualquer lista
dos mais assistidos e mais lucrativos na história do cinema.
Roteiro mitológico
O roteiro da saga Guerra
nas Estrelas, Star Wars no original, é baseado
no mito do herói. Esse mito é um conjunto de arquétipos
recorrentes em quase todas as lendas e mitos, tão familiares
aos povos orientais como aos cristãos, árabes e
índios de diversas origens e de todas as gerações,
ou seja, está presente no inconsciente coletivo de todas
as sociedades humanas. São os heróis, seus mestres,
sua iniciação, suas aventuras. A história
dos Jedis comove porque fala de coisas comuns a todos os povos
e, principalmente, da eterna dualidade entre o bem e o mal. Para
se ter uma idéia da importância dessa estrutura na
indústria hollywoodiana, existem consultorias especializadas
em enquadrar os roteiros adquiridos pelas produtoras no mito do
herói, em que as batalhas entre o bem e o mal e a consolidação
de uma nova origem ética estão sempre presentes.
A história de Star
Wars usa como ponto de partida o livro do estudioso americano
Joseph Campbell (1904-1987), O Herói das Mil Faces.
Nele, Campbell esmiúça ponto por ponto quais são
as características do herói presente em todas as
grandes obras da humanidade, tanto no cinema como na literatura
e no teatro. Depois da trilogia, Campbell fez até um outro
estudo, o best-seller O Poder do Mito, no qual usou repetidas
vezes a saga de Lucas como referência. Nesse livro, ele
afirma que "todo adolescente é um Luke Skywalker que
tem de sair de seu planeta (a família) e partir para a
conquista do mundo. Tem de abandonar velhos modelos e construir
os seus próprios, numa verdadeira cruzada heróica
em direção ao desenvolvimento de sua personalidade.
Terá de lutar contra a tentação de permanecer
na origem, daí pode-se entender o fato de Luke Skywalker
ter de enfrentar seu próprio pai na figura do mal de Darth
Vader".
Campbell definiu a saga como
uma guerra de princípios. Ao longo dos três primeiros
episódios, Luke Skywalker é o herói dotado
de um poder sobrenatural, a Força, que o transforma em
um ser único, sendo tentado constantemente a passar para
o lado negro, deixando o bem pelas seduções do mal,
assim como fez seu pai Anakin, que mais tarde se tornou o poderoso
Darth Vader. "O vilão Darth Vader representa uma figura
arquetípica. Ele é um monstro porque não
desenvolveu a própria humanidade. Quando ele retira a sua
máscara, o que vemos é um rosto informe, de alguém
que não se desenvolveu como indivíduo humano. Ele
é um robô. É um burocrata, vive não
nos seus próprios termos, mas nos termos de um sistema
imposto", diz Campbell no seu livro. E é disso que
Luke deve fugir, mantendo-se fiel a seus princípios.
A pretensão de George
Lucas foi a criação de um mito moderno. Para isso,
suas intensas pesquisas geraram um mundo onde é possível
a mescla de vários gêneros, sem a perda de identidade
com o público. Ele não foi o primeiro a utilizar
o mito do herói, já presente, por exemplo, na famosa
trilogia de O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien,
recentemente transportada para as telas do cinema. O mito heróico
teve origem na mitologia grega, mas Lucas foi o primeiro a misturar
todos esses elementos de uma maneira já condensada e presente
no cotidiano do espectador, fazendo com que este se identifique
quase que imediatamente com a trama da história. Os Jedis,
por exemplo, são assumidamente inspirados nos samurais,
os heróis do Japão feudal, seja nas vestimentas,
seja no seu código de conduta e espiritualidade e até
nas técnicas de luta com a espada. O diretor japonês
Akira Kurosawa (Os Sete Samurais) já usava esses
heróis 20 anos antes de a série sair do papel. Para
o papel de Obi-Wan Kenobi, na primeira trilogia, chegou a ser
cotado o ator japonês Toshiro Mifune, que já tinha
feito papel de samurai nos filmes de Kurosawa. A palavra jedi
vem do termo japonês jidai geki, que designa dramas
de época - quase sempre histórias de samurais -
na TV nipônica.
O embate entre rebeldes e
o Império teria sido inspirado na passagem bíblica
do pequeno Davi contra o gigante Golias em que os rebeldes, muito
mais fracos, usam da inteligência para derrotar o dominador
e saem vitoriosos. Outra referência bíblica: a trombeta
da vitória dos Ewoks toca a mesma música que a trombeta
dos judeus quando eles deixam o Egito no filme Os Dez Mandamentos,
do diretor Cecil B. DeMille, simbolizando a vitória dos
oprimidos.
A história ainda faz
referência às lendas celtas, como o mago Merlin,
encarnado na história como o jedi Obi-Wan Kenobi (pelo
ator Alec Guinness na trilogia original e por Ewan McGregor na
atual) e ao cavaleiro negro representado pelo vilão Darth
Vader. A relação de Luke com Darth Vader, seu pai,
por sua vez, faz alusão aos mitos gregos de Cronos e Zeus.
Zeus destronou seu pai, Cronos, pois este devorava seus filhos,
temendo que eles se voltassem contra ele, o que demonstra que
o filho sucede ao pai quando consegue sobrepujá-lo.
Referências a guerras
e momentos históricos também estão presentes.
O uniforme e os equipamentos dos soldados do Império, por
exemplo, são inspirados nas vestimentas do exército
nazista, principalmente nos capacetes, o que reforça sua
imagem de opressor. Em uma entrevista à Folha de S.Paulo,
Lucas declarou: "os sistemas políticos que exploro
na saga são antigos e históricos. Você pode
encontrar referências a Napoleão, Hitler e imperadores
romanos. Normalmente, a democracia é sacrificada para que
alguém possa governar".
Guerra nas Estrelas
também utiliza elementos de outros gêneros do cinema,
como o faroeste, com o objetivo de intensificar a importância
do herói. Os duelos de herói e vilão têm
como correspondente as batalhas de sabres de luz; o saloon é
substituído por uma cantina onde seres de toda a galáxia
se encontram ao som de uma banda que poderia ser uma bandinha
do Texas; o próprio espaço é a última
fronteira a ser explorada, assim como fora o Velho Oeste americano.
Além disso, existe toda uma cena inspirada em um clássico
do faroeste, Rastros de Ódio, do diretor americano
John Ford, do qual George Lucas é fã assumido: quando
Luke retorna ao lar e descobre seus tios mortos, parte para sua
jornada de heroísmo, assim como fez John Wayne no filme
de Ford quando descobriu sua família assassinada por índios.
"Quando entrei na faculdade, estudei antropologia e descobri
que os faroestes de Hollywood eram provavelmente a última
mitologia que nossa sociedade desenvolveu. Nos anos 60, tudo isso
ruiu com o surgimento do realismo e da revolta. Uma das razões
pelas quais comecei a fazer filmes era meu interesse em criar
um novo tipo de mitologia usando o espaço, a nova fronteira",
afirmou Lucas em uma entrevista na época do lançamento
da primeira trilogia.
Há também muito
de fantasia e conto de fadas na saga intergaláctica, representados
através de criaturas como Mestre Yoda, Jabba The Hutt e
outros monstros, e das monarquias com rainhas, princesas e cavaleiros.
"Eu via que as crianças não tinham nenhuma
vida de fantasia como a que tivemos. Elas não tinham faroestes
nem filmes de piratas como Capitão Blood. Nem Errol
Flynn, John Wayne, o tipo de aventura que amávamos. Eu
sempre quis fazer uma fantasia na tradição de Buck
Rogers e Flash Gordon, uma combinação
de 2001 (2001 - Uma Odisséia no Espaço)
com James Bond", completa o diretor.
boa análise
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