segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Os arquétipos em Star Wars

Em 1977, a galáxia se tornou menor. A saga Guerra nas Estrelas, de George Lucas, trouxe o universo dos alienígenas e dos planetas distantes para perto da imaginação popular. Resultado: 25 anos depois do seu início, ou fim, se levarmos em conta a cronologia da história, os filmes ainda levam multidões aos cinemas e enchem os cofres do Lucas Group, o conglomerado de empresas do cineasta. Fãs da franquia já acampavam na porta do complexo de cinemas Chinese Theater, em Hollywood, 40 dias antes da estréia do Episódio II, O Ataque dos Clones. O motivo? Freud explica.
Por Diogo Dreyer
Cartaz de divulgação de O Retorno de Jedi, de 1983.

Além da revolução visual e técnica, a série Guerra nas Estrelas, de George Lucas, inspirou gerações mundo afora. Numa época em que os efeitos visuais eram literalmente manuais, esse cineasta revolucionou a sétima arte com suas explosões e naves gigantescas através dos efeitos digitais. Lucas juntou à sua evolução técnica um novo tipo de história, que misturava contos de fadas, histórias medievais, passagens bíblicas e até faroeste ao mundo da ficção científica.
Sua trilogia também iniciou a era das franquias no cinema, em que alguns produtores têm nas mãos muito mais do que histórias. Seus filmes se transformam em verdadeiras instituições, em que a meta é fazer com que todos assistam ao filme na primeira semana para poder vender seqüências, camisetas, atrações em parques temáticos, brinquedos e DVDs cheios de bônus como recordação. Isso rendeu a Lucas dinheiro suficiente para todos os seus futuros projetos.
Todos os quatro filmes da saga lançados até agora aparecem em qualquer lista dos mais assistidos e mais lucrativos na história do cinema.

Roteiro mitológico
O roteiro da saga Guerra nas Estrelas, Star Wars no original, é baseado no mito do herói. Esse mito é um conjunto de arquétipos recorrentes em quase todas as lendas e mitos, tão familiares aos povos orientais como aos cristãos, árabes e índios de diversas origens e de todas as gerações, ou seja, está presente no inconsciente coletivo de todas as sociedades humanas. São os heróis, seus mestres, sua iniciação, suas aventuras. A história dos Jedis comove porque fala de coisas comuns a todos os povos e, principalmente, da eterna dualidade entre o bem e o mal. Para se ter uma idéia da importância dessa estrutura na indústria hollywoodiana, existem consultorias especializadas em enquadrar os roteiros adquiridos pelas produtoras no mito do herói, em que as batalhas entre o bem e o mal e a consolidação de uma nova origem ética estão sempre presentes.
A história de Star Wars usa como ponto de partida o livro do estudioso americano Joseph Campbell (1904-1987), O Herói das Mil Faces. Nele, Campbell esmiúça ponto por ponto quais são as características do herói presente em todas as grandes obras da humanidade, tanto no cinema como na literatura e no teatro. Depois da trilogia, Campbell fez até um outro estudo, o best-seller O Poder do Mito, no qual usou repetidas vezes a saga de Lucas como referência. Nesse livro, ele afirma que "todo adolescente é um Luke Skywalker que tem de sair de seu planeta (a família) e partir para a conquista do mundo. Tem de abandonar velhos modelos e construir os seus próprios, numa verdadeira cruzada heróica em direção ao desenvolvimento de sua personalidade. Terá de lutar contra a tentação de permanecer na origem, daí pode-se entender o fato de Luke Skywalker ter de enfrentar seu próprio pai na figura do mal de Darth Vader".
Campbell definiu a saga como uma guerra de princípios. Ao longo dos três primeiros episódios, Luke Skywalker é o herói dotado de um poder sobrenatural, a Força, que o transforma em um ser único, sendo tentado constantemente a passar para o lado negro, deixando o bem pelas seduções do mal, assim como fez seu pai Anakin, que mais tarde se tornou o poderoso Darth Vader. "O vilão Darth Vader representa uma figura arquetípica. Ele é um monstro porque não desenvolveu a própria humanidade. Quando ele retira a sua máscara, o que vemos é um rosto informe, de alguém que não se desenvolveu como indivíduo humano. Ele é um robô. É um burocrata, vive não nos seus próprios termos, mas nos termos de um sistema imposto", diz Campbell no seu livro. E é disso que Luke deve fugir, mantendo-se fiel a seus princípios.
A pretensão de George Lucas foi a criação de um mito moderno. Para isso, suas intensas pesquisas geraram um mundo onde é possível a mescla de vários gêneros, sem a perda de identidade com o público. Ele não foi o primeiro a utilizar o mito do herói, já presente, por exemplo, na famosa trilogia de O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, recentemente transportada para as telas do cinema. O mito heróico teve origem na mitologia grega, mas Lucas foi o primeiro a misturar todos esses elementos de uma maneira já condensada e presente no cotidiano do espectador, fazendo com que este se identifique quase que imediatamente com a trama da história. Os Jedis, por exemplo, são assumidamente inspirados nos samurais, os heróis do Japão feudal, seja nas vestimentas, seja no seu código de conduta e espiritualidade e até nas técnicas de luta com a espada. O diretor japonês Akira Kurosawa (Os Sete Samurais) já usava esses heróis 20 anos antes de a série sair do papel. Para o papel de Obi-Wan Kenobi, na primeira trilogia, chegou a ser cotado o ator japonês Toshiro Mifune, que já tinha feito papel de samurai nos filmes de Kurosawa. A palavra jedi vem do termo japonês jidai geki, que designa dramas de época - quase sempre histórias de samurais - na TV nipônica.
O embate entre rebeldes e o Império teria sido inspirado na passagem bíblica do pequeno Davi contra o gigante Golias em que os rebeldes, muito mais fracos, usam da inteligência para derrotar o dominador e saem vitoriosos. Outra referência bíblica: a trombeta da vitória dos Ewoks toca a mesma música que a trombeta dos judeus quando eles deixam o Egito no filme Os Dez Mandamentos, do diretor Cecil B. DeMille, simbolizando a vitória dos oprimidos.
A história ainda faz referência às lendas celtas, como o mago Merlin, encarnado na história como o jedi Obi-Wan Kenobi (pelo ator Alec Guinness na trilogia original e por Ewan McGregor na atual) e ao cavaleiro negro representado pelo vilão Darth Vader. A relação de Luke com Darth Vader, seu pai, por sua vez, faz alusão aos mitos gregos de Cronos e Zeus. Zeus destronou seu pai, Cronos, pois este devorava seus filhos, temendo que eles se voltassem contra ele, o que demonstra que o filho sucede ao pai quando consegue sobrepujá-lo.
Referências a guerras e momentos históricos também estão presentes. O uniforme e os equipamentos dos soldados do Império, por exemplo, são inspirados nas vestimentas do exército nazista, principalmente nos capacetes, o que reforça sua imagem de opressor. Em uma entrevista à Folha de S.Paulo, Lucas declarou: "os sistemas políticos que exploro na saga são antigos e históricos. Você pode encontrar referências a Napoleão, Hitler e imperadores romanos. Normalmente, a democracia é sacrificada para que alguém possa governar".
Guerra nas Estrelas também utiliza elementos de outros gêneros do cinema, como o faroeste, com o objetivo de intensificar a importância do herói. Os duelos de herói e vilão têm como correspondente as batalhas de sabres de luz; o saloon é substituído por uma cantina onde seres de toda a galáxia se encontram ao som de uma banda que poderia ser uma bandinha do Texas; o próprio espaço é a última fronteira a ser explorada, assim como fora o Velho Oeste americano. Além disso, existe toda uma cena inspirada em um clássico do faroeste, Rastros de Ódio, do diretor americano John Ford, do qual George Lucas é fã assumido: quando Luke retorna ao lar e descobre seus tios mortos, parte para sua jornada de heroísmo, assim como fez John Wayne no filme de Ford quando descobriu sua família assassinada por índios. "Quando entrei na faculdade, estudei antropologia e descobri que os faroestes de Hollywood eram provavelmente a última mitologia que nossa sociedade desenvolveu. Nos anos 60, tudo isso ruiu com o surgimento do realismo e da revolta. Uma das razões pelas quais comecei a fazer filmes era meu interesse em criar um novo tipo de mitologia usando o espaço, a nova fronteira", afirmou Lucas em uma entrevista na época do lançamento da primeira trilogia.
Há também muito de fantasia e conto de fadas na saga intergaláctica, representados através de criaturas como Mestre Yoda, Jabba The Hutt e outros monstros, e das monarquias com rainhas, princesas e cavaleiros. "Eu via que as crianças não tinham nenhuma vida de fantasia como a que tivemos. Elas não tinham faroestes nem filmes de piratas como Capitão Blood. Nem Errol Flynn, John Wayne, o tipo de aventura que amávamos. Eu sempre quis fazer uma fantasia na tradição de Buck Rogers e Flash Gordon, uma combinação de 2001 (2001 - Uma Odisséia no Espaço) com James Bond", completa o diretor.




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